Nasci nas Minas Gerais. Minas não tem mar. Minas tem montanhas, matas e tem céu.
Minas não tem mar. Lá, quem quiser navegar tem de aprender que o mar de Minas é em outro lugar.
O mar de Minas não é no mar.
O mar de Minas é no céu,
pro mundo olhar pra cima e navegar
sem nunca ter um porto onde chegar.
Acho que é por isso que em Minas nasce tanto poeta. Poeta é quem navega nos céus.
Comecei a navegar no mar de Minas quando era menino. Me deitava no capim e ficava vendo as nuvens e os urubus.
Meus mestres navegadores eram os urubus. Desajeitados em terra, não conheço poeta que tenha falado deles com carinho. É romântico dizer da amada que ela se parece com uma garça branca.
O mar de água, eu só fui ver depois que me mudei para o Rio. Debruçado na murada de pedra da praia de Botafogo ficava a ver os barcos de velas brancas levados pelo vento. Como as garças, voando no céu de Minas.
O mar me fascina. Mas, como não sou do mar, sou das matas, não vou. O mar me dá medo. Mar é perigo, naufrágio. Disse Fernando Pessoa, gravemente:”Deus ao mar o perigo e o abismo deu…”. Ele, português, sabia do que estava falando.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
são lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Sabia disso Dorival Caymi quando cantou o jangadeiro que entrou no mar e a jangada voltou só. Doce morrer no mar? Talvez. Melhor morrer no mistério indecifrável do mar que morrer as mortes banais da terra seca.
Mas o perigo não importa. O fascínio é maior. Somos os únicos seres que amam o perigo. Sabia disso a Cecília, que nasceu olhando o mar.
A solidez da terra seca, monótona,
parece-nos fraca ilusão.
Queremos a solidão do grande mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.
Queremos sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo.
Lá está o barquinho de velas brancas, navegando no mar! Bem que ele poderia navegar só nas baías e enseadas, onde não há perigo e o mar é sempre manso. Mas não! Deixando a solidez da terra firme, ele se aventura para sentir o vento forte enfunando as velas e o salpicar da água salgada que salta da quilha contra as ondas. “Sem nunca ter um porto onde chegar”, ele navega pelo puro prazer de entrar no mar.
A vida é assim mesmo. É sempre possível deixar o barco atracado ou só navegar nas baías mansas. Aí não há perigo de naufrágio. Mas não há o prazer do calafrio e do desconhecido.
Segundo o Taoismo, a vida é assim: somos pequenos barcos de velas brancas no mar desconhecido. O remos são inúteis. A força dos elementos é maior que a nossa força. Gosto de ver os urubus voando nos prenúncios de tempestade. Eles não batem asas. Não lutam contra o vento. Flutuam, deixam-se levar.
A sabedoria dos barcos a vela é a mesma sabedoria dos urubus. Brincar com vento e onda, vela e leme, e deixarmo-nos sermos levados – A sabedoria suprema não é fazer – remar – mas fazer nada, deixar-se levar pelo mar da vida que é mais forte. Eu nunca consegui chegar a lugar algum usando remos.
Sempre fui levado por uma força mais forte que a minha razão a praias com que nunca havia sonhado. Foi assim que me tornei escritor, porque o mar foi mais forte que o meu plano de viagem.
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